Homenagem a Michel Le Bret - Um Ícone na Espeleologia Brasileira

michel le bret

"Dois expoentes da espeleologia brasileira. À esquerda, Michel Le Bret, um dos fundadores da SBE e, à direita, Victor Dequech, um dos fundadores da SEE, primeira sociedade espeleológica das Américas." 

O mês de setembro se encerrou com a comunidade espeleológica em luto, quando aos 27 dias desse mês fomos surpreendidos com a triste notícia de falecimento, aos 93 anos, de um dos principais nomes da espeleologia no Brasil durante o século XX.

Nascido em Paris no ano de 1926, durante um período de grandes tensões e atritos que precederam a segunda guerra mundial, descendente de uma família tradicional e intimamente conectada à ciência, Michel Le Bret teve em seus ancestrais uma ligação direta com a mineração. Em 1940, após ameaças em consequência de ataques ao seu país, precisou se refugiar em uma mina de chumbo dirigida pelo pai e lá passou a ajudar um topógrafo a mapear a cavidade, tendo assim sua primeira conexão com o ambiente subterrâneo e despertando seu interesse por esse mundo, quando começou a buscar - através dos livros de autores clássicos como Martel e Casteret – mais informações sobre a espeleologia. 

Seu característico espírito explorador e de liderança foi desenvolvido graças ao escotismo, onde começou a experimentar aventuras em montanhas e outros ambientes que proporcionam a imersão na natureza. Formou-se em Engenharia de Obras Públicas, seguindo carreira no serviço militar francês, que possibilitou um encontro marcante com Jacques Choppy – espeleólogo aficionado e autor de diversas obras ao longo do século XX. Juntos, Le Bret e Choppy realizaram diversas topografias e explorações, estendendo a amizada para além da carreira militar. 

Le Bret passou a se especializar em explorações de cavernas verticais a partir de uma aproximação com o Clã da Verna – equipe de exploradores que foi responsável por estabelecer recordes e romper limites ao atingir profundidades impressionantes para a época, especialmente pelas limitações e restrições devido à precariedade dos equipamentos usados, como cordas de cânhamo e escadas de aço.

Desde a infância começou a desenvolver uma relação com o desenho e a carpintaria, que renderam a ele habilidades exemplares como croquista e desenvolvedor de equipamentos. Ao lado do projetista Hubert Courtois, integrante também do Clã da Verna, desenvolveu os primeiros equipamentos de mergulho em cavernas durante meados do século XX, além de polias e outros acessórios que auxiliaram o avanço das técnicas de exploração vertical na mesma época.

As contribuições do grupo marcaram a espeleologia francesa, suas contribuições envolveram avanços na exploração e mapeamento, técnicas verticais, mergulho em cavernas e o desenvolvimento de novos equipamentos. Em 1956, a descrição da gruta Deux Soeurs, com um mapa em três dimensões, rendeu a ele o prêmio Martel de Espeleologia, atribuído pelo Centro Nacional da Pesquisa Científica (CNRS) francês.

Chegou ao Brasil em 1959 já portando ampla experiência como espeleólogo e encontrou aqui uma carência enorme de estudos e regiões cársticas praticamente inexploradas. Sabendo do potencial para o desenvolvimento de grandes cavidades, procurou outros entusiastas do mundo subterrâneo, como Jean Pierre Cristinat – que em 1958 presidiu e fundou a primeira Sociedade Brasileira de Espeleologia (SBE), cujas atividades nunca de manifestaram. Logo em seguida, associou-se ao Clube Alpino Paulista (CAP) e encontrou ali diversos alpinistas experientes - na maioria europeus – e formou uma Seção Espeleológica do grupo, cujas atividades compreenderam explorações inéditas no Vale do Ribeira, compilando dados importantes de geoespeleologia e espeleometria das principais grutas da região e colocando o CAP em posição de destaque nacional no contexto espeleológico.

Le Bret e seus companheiros enfrentaram diversas dificuldades na época, mas não se deixaram abalar e desenvolveram levantamentos não apenas na região de São Paulo, mas estendendo também os horizontes para os estados de Goiás e Bahia. A carência de integrantes, equipamentos, os acessos precários e a falta de referências foram contornados com criatividade, entusiasmo, vigor e talento. 

Em meados da década de 60, começou a participar ativamente da tentativa de organizar a espeleologia nacional, atuando na criação de bases para estruturar de maneira sistemática a ciência no país, incentivando um aumento considerável no número de interessados pelo mundo subterrâneo. O marco inicial para esses avanços foi o primeiro Congresso Brasileiro de Espeleologia (CBE), realizado na cidade de Iporanga em São Paulo, que possibilitou a aproximação de diversos pioneiros da espeleologia no Brasil, além de estudar a possibilidade de retomar a criação da SBE de Cristinat, que nunca chegou a se estabilizar.

Em 1969, durante o IV CBE realizado pela Sociedade Excursionista e Espeleológica (SEE) na cidade de Ouro Preto – MG, fundou-se a segunda versão da SBE com o intuito de estabelecer uma entidade de caráter nacional, tendo como diretores Michel Le Bret, Pierre Martin, Guy-Christian Collet, Jairo Augusto V. Reis e Luiz Carlos de Alcântara Marinho.

A partir daí, a expansão das atividades nas cavernas brasileiras foi crescente. Entretanto, sem a participação ativa de Le Bret devido à um derrame que o levou de volta à França, mas não o afastou completamente do mundo subterrâneo, uma vez que retornou para realizar trabalhos esporádicos através de expedições em 1979, 1988, 1991, 1994, 1995 e 2004. Sua relação, mesmo que distante fisicamente, foi aproximada graças aos amigos e ao reconhecimento da comunidade brasileira, que sempre tentou incluir Le Bret nas novas colheitas dos frutos semeados por ele e seus companheiros precursores dessa ciência.

Através de uma publicação fantástica, repleta de detalhes visuais e imersões poéticas, Le Bret caracterizou suas vivências no país tropical com “Merveilleux Bresil Souterrain” em 1975. O livro conta suas principais aventuras e sensações, retratadas a partir de croquis magníficos, ao explorar as cavernas da exuberante floresta tropical. Também foi homenageado a partir da publicação de “Michel Le Bret – francês e brasileiro, espeleólogo e desenhista”, que reúne um compilado de croquis inéditos feitos por Le Bret, além de contar histórias incríveis deste icônico personagem, que dedicou uma vida inteira à espeleologia.

Viva a Michel Le Bret e Viva a espeleologia brasileira!

Texto: Gabriel Amora Basílio 

Foto: Leda Zogbi