NOTA DE REPÚDIO: AVANÇO DA MINERAÇÃO E AMEAÇA A MORADORES, GRUTA E SANTUÁRIO DE NOSSA SENHORA DA LAPA, ANTÔNIO PEREIRA - MG

Nota Repúdio

Antônio Pereira é um distrito do município de Ouro Preto - MG. A leste de seu Centro Histórico, é possível observar, em meio à vegetação de mata atlântica e cerrado, um maciço rochoso de mármore dolomítico, onde ocorre a Gruta Nossa Senhora da Lapa. A Gruta é formada por processos naturais de dissolução das rochas dolomíticas e apresenta salões que se conectam por condutos, os quais, somados, chegam a 250 m de projeção horizontal. Sua relevância histórico-cultural e ambiental a enquadram como Santuário e Monumento Natural Municipal, um Patrimônio Natural e Histórico de valor inestimável. O Santuário e Gruta de Nossa Senhora da Lapa são destino de peregrinos há séculos, remontando o tempo de D. Pedro II, e ainda hoje ocorre durante o ano inteiro, um espaço de assídua presença local e, assim como os cerca de cinco mil habitantes de Antônio Pereira, vem sofrendo com os avanços da mineração.

Nos últimos dias, entidades civis expressaram indignação à anuência, assinada no dia 09 de novembro de 2023, pelo prefeito de Ouro Preto, Ângelo Oswaldo. A anuência assinada tinha como objetivo a instalação de uma nova cava de minério de ferro da companhia Leão de Ferro Mineração Ltda em Antônio Pereira. Este empreendimento prevê a movimentação de 300 mil toneladas de minério por ano e, como consequência, proporciona uma série de impactos à Gruta de Nossa Senhora da Lapa e ao seu contexto ambiental. Dentre os impactos oriundos do empreendimento, ressaltam-se as consequências sobre a hidrografia local, uma vez que a movimentação, compactação e retirada de camada mineralizada do solo implicam na alteração da disponibilidade de água em subsuperfície e em alterações nos cursos hídricos na região, afetando assim o acesso à água da comunidade local e impactando o meio biótico e abiótico. Além disso, a alta emissão de particulados e ruídos das atividades de beneficiamento, desmonte e remoção de estéril agravam este panorama, devido à sua proximidade da malha urbana e áreas protegidas do distrito.

Do ponto de vista da conservação do patrimônio espeleológico e do licenciamento ambiental espeleológico, o atual diagnóstico espeleológico da companhia carece de dados: não foram apresentados pela mineradora os relatórios produzidos pelas atividades de prospecção, mapeamento das cavidades, área de influência espeleológica, avaliação de impactos espeleológicos, estudos de controle das emissões de vibração ambiental, os posteriores estudos de sismografia aplicada à proteção do patrimônio espeleológico, plano de monitoramento físico e biológico (colônia de morcegos na cavidade), dinâmica e influência hídrica sobre o patrimônio espeleológico, conformidade com o plano de manejo da unidade de conservação e conformidade com o plano de manejo espeleológico da Gruta de Nossa Senhora da Lapa. As análises apresentadas levaram em conta apenas o ponto de entrada da Gruta, desconsiderando o seu desenvolvimento de aproximadamente 250m na direção do empreendimento. Outro fato relevante é que a Gruta apresenta características de salões oclusos, isso é, algumas partes da gruta não podem ser acessadas pois a passagem encontra-se obstruída em virtude de processos naturais. Tal fato faz com que a real extensão da Gruta, bem como sua importância ambiental, possam ultrapassar os dados já conhecidos.

Devido ao exposto, o empreendimento precisa comprovar tecnicamente os possíveis impactos que tal cavidade, ou cavidades, poderão sofrer. O trabalho precisa ser feito com equipe técnica multidisciplinar, necessitando de: biólogos, engenheiros ambientais, geólogos, geógrafos, turismólogos, arqueólogos, sociólogos e agentes sociais. Ao final desta primeira etapa, os resultados devem ser apresentados em Audiência Pública, não apenas em Consulta. A decisão da prefeitura teria sido tomada sem avaliação do órgão fiscalizador competente, o Codema (Conselho Municipal de Defesa e Conservação do Meio Ambiente). A arquidiocese e o Conselho Consultivo do Monumento Natural da Lapa não teriam sido consultados no processo de licenciamento.

Após mobilizações de entidades civis, a anuência foi revogada no dia 29 de fevereiro. Contudo, o avanço de empreendimentos sem o licenciamento ambiental adequado e condizente, na região de Ouro Preto e Mariana, ainda constitui uma ameaça crescente. Isso é um problema para a segurança e bem-estar da população local, para a perpetuação do patrimônio natural e histórico, para a continuidade de nossos recursos hídricos e para o equilíbrio dos ecossistemas cavernícolas e não cavernícolas.

 

Autor: Abraão Castro, 09/03/2024

Revisão: Bruno Diniz, Beatriz Pires e Paulo Eduardo Lima.

 

Referências:

CASTRO, Marcelino; Antônio Pereira: moradores são contrários à instalação de novo empreendimento minerário.Diário de Ouro Preto, Ouro Preto, 05/10/2023. Disponível em . Acesso em 09/03/2024.

Instituto Guaicuy < https://guaicuy.org.br>

LIMA, Juliana. Santuário da Lapa corre risco com permissão da prefeitura de Ouro Preto para mineração. Rádio América, 27/02/2024. Disponível em . Acesso em 09/03/2024.

MARCOS, Daniel. Comunidade do Pereira mostra resistência a nova empresa de mineração no distrito de Ouro Preto: empreendimento de pequeno porte prevê minerar 500 mil toneladas por ano em área próxima ao Santuário da Lapa, distrito de Antônio Pereira. Jornal Voz Ativa, 05/10/2023. Disponível em . Acesso em 09/03/2024.

Proposta de Laudo Geotécnico da Lapa de Antônio Pereira. Geoconsultoria Júnior e Sociedade Excursionista e Espeleológica; Prefeitura Municipal de Ouro Preto, Secretaria de Meio Ambiente, Departamento de Projetos e Áreas Protegidas; Ouro Preto-MG, Junho de 2017.

ZOLINI, Helcio. Mineração ameaça Santuário em Ouro Preto. 29/02/2024. Disponível em . Acesso em 09/03/2024.